quinta-feira, 20 de agosto de 2009


Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.[...]
Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.

-Fernando Pessoa - Álvaro de Campos - Tabacaria




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Me perdoe,
Nunca conheci ninguém como eu, nunca conheci alguém que tenha dificuldade pra chegar onde se quer chegar
Todos a minha volta são capazes e determinados, chegaram aonde queriam e com êxito

E eu que não tenho paciência, eu que tenho sido grossa, idiota, ridícula...

Quando calada, imperceptível, quando falante mais ridícula, fazendo vergonha
E toda pessoa que vem me falar nunca teve um ato ridículo, nunca teve sequer um desconforto

Então eu descubro nelas minhas fraquezas, minha feiúra, minhas asperezas...

Atiro nelas o meu ideal, o meu sonho, o meu irreal

Me procuro no lugar errado, bato na porta e não me deixam entrar

Até entender que não sou dessas pessoas, que chegarei a outro lugar por caminhos não traçados
Quem me dera escutar dessas pessoas o suave grito do imperfeito, então saberia onde está a gente nesse mundo

E quanto errôneo sou, deixo de lado aqueles que sofrem mais do que eu, aqueles sem destino

Então estão certas todas essas pessoas que me julgam incapaz, reclamar da vida é o meu forte

Para mim não basta abrir uma janela, quero que se ponha a casa a baixo

Não enxergo que só há uma janela fechada e o mundo lá fora
Penso em mil coisas opostas ao mesmo tempo

Ah, se eu nem sei quem sou, como posso querer que as pessoas ao meu redor me compreendam

Que minha loucura seja perdoada, tenho fases como a lua


Feliz aquele que sabe ao certo o que é, por que quem não sabe, não vê a si mesmo no espelho
E o universo conspirou para tentar reconstruir-me perguntei a ele "sou diferente?", e o dono da Terra sorriu.

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